Desta vez, a máscara caiu. Após a revelação de um esquema bilionário de fraudes nos benefícios previdenciários – onde associações, com conivência e omissão de agentes públicos, cobravam indevidamente mensalidades de aposentados e pensionistas – o Estado, ao invés de fazer justiça, preferiu chancelar o apagamento da verdade.
O tão anunciado "acordo" celebrado no Supremo Tribunal Federal é um insulto à dignidade dos segurados lesados. Sob a aparência de benevolência, esconde-se um pacto de impunidade, que garante, sim, a devolução dos valores, mas às custas da renúncia a direitos fundamentais.
O segurado, para receber de volta o que é seu por direito, deverá assinar um termo de adesão e abrir mão de qualquer ação judicial, inclusive daquelas já ajuizadas. Terá que abdicar do direito à repetição em dobro do indébito, do direito à indenização por dano moral, e do reconhecimento da violação de sigilo de dados. Em outras palavras: para receber de volta o que foi tirado indevidamente, ele precisa perdoar o roubo e esquecer quem o roubou.
A devolução ocorrerá em até 15 dias após a assinatura, com correção monetária. Parece justo? Não é. É chantagem institucionalizada. Mais grave: enquanto isso, todas as ações judiciais sobre o tema permanecem suspensas por ordem do STF, aguardando uma decisão que pode levar anos — e com isso, forçam os aposentados e pensionistas, na maioria idosos e vulneráveis, a aceitar o acordo e desistir da busca por justiça.
E o que foi feito com os responsáveis? Nada. Nenhum servidor do INSS será responsabilizado. Nenhum diretor, nenhum político envolvido, nenhum ministro. Estão todos blindados. Até mesmo o Ministro da Previdência do atual governo, que sabia de tudo, continua no cargo, posando de paladino da moralidade nas redes sociais, junto ao Ministro Toffoli, que hoje aparece como o “santo salvador da pátria”, quando na verdade carimbou o perdão judicial a uma quadrilha que agiu dentro do Estado.
A OAB, chamada para o acordo como amicus curiae, calou-se diante da lesão aos direitos do consumidor. A AGU defendeu o INSS — não os segurados. Um pacto de elites, costurado nas cúpulas do poder, sem ouvir os verdadeiros prejudicados: o povo aposentado, a base da Previdência, os que realmente sustentam esse país com décadas de trabalho honesto.
Ficou “resguardado” — e aqui uso o termo com escárnio — apenas o direito do segurado lesado de processar as entidades privadas nos juizados estaduais. Mas quem conhece o Judiciário brasileiro sabe: será um calvário processual, caro, moroso, e com baixíssima efetividade. E contra o INSS? Nada. Absolutamente nada.
É o acordo da vergonha nacional. Um marco jurídico da impunidade. Um insulto travestido de solução. Como advogada e cidadã, afirmo com todas as letras: estamos diante de uma traição institucional ao povo brasileiro.
Se a justiça não for feita nos tribunais, que ela ao menos não seja esquecida nas páginas da história. E se quiserem nos calar, que saibam: a nossa voz seguirá ecoando — nas colunas, nas audiências, nas ruas. Porque dignidade não se negocia.